Por Egídio Mariano
Bem como é provável que, na mitologia egípcia, povos distintos tenham encontrado uma base de entendimento espiritualizado da realidade das sociedades em que viviam pela ideia de manutenção da vida tal qual a conhecida por eles, mesmo que depois da morte, trazendo-lhes uma espécie de espaço de refúgio com alguma sofisticação relacionada ao desenvolvimento tecnológico que se aplicava à natureza de seus cultos dentro dos templos, ou, em outros sentidos, no centro de poder político e da vida estatal egípcia, a depender de qual deus egípcio o templo de culto tivesse sua origem.
De ofício entre os escribas, por exemplo, eram feitos os registros da organização que o Faraó determinava a seus servos, sujeitos às ordens superiores das relações de poder do panteão egípcio que, por obra de seus mensageiros, também os de Thoth, executavam as ordens e as entregas dos resultados do que se encontrava inscrito como nota que comunicava vivos e além vivos dentro de um refúgio moral inscrito numa mesma dimensão de civilidade, embora, como mensageiros, tantos escribas quantos demais servos vivessem seus riscos na resolução de uma alguma ordem, é compreensível de se supor que na maior parte do tempo tenham vivido como homens burocráticos no controle dos estoques de alimentos, nos registros das cheias e nas medições das extensões cultivadas.
Portanto, considerando a natureza incerta que existisse fora dos domínios da figura do faraó, viver sob o controle dele, talvez, fosse um refúgio e, inclusive, refúgio sob um aspecto espiritual que consolidava um sentimento de bem-estar em diversos níveis de compreensão humanos, principalmente em relação a necessidade e ao sentimento de se ter fundamentos com origens particulares baseadas em histórias ancestrais.
Se, hoje, ao nascermos, muito rapidamente somos levados a acordar para a realidade da vida em sociedade em que devemos nos adaptar, talvez, por outro lado, na antiguidade egípcia, se recorresse mais às crenças e às superstições numa evidente relação de concordância natural entre dimensões distintas guiadas por forças além daquelas visíveis a olho nu, e, por meio dessas, assim invisíveis, estivessem todos os servos do faraó protegidos num mundo plural de cultos e de crenças de usos tecnológicos.
Talvez, em razão disso e apesar de transcorrido milhares de anos, o período da antiguidade egípcia ainda desperte tantos assuntos, tantos estudos, tantas expressões culturais de uma realidade tangível aos deuses que, em alguns pontos da história, determinaram formas específicas de sepultamento dos corpos, do trato da vida em um cotidiano social que, pacato, tinha por base o plantio e a colheita de grãos às margens do Nilo.
Os centros de referências
Um estudo da vida local, da maneira como as pessoas nativas vivem, é, em grande parte, a maior obra documental que a história escrita possibilitou, ainda que nós partíssemos apenas de anotações de controle alfandegário, de observações sobre as marés em um dado porto a estrangeiros, ou do registro da população de uma região e de seus meios de subsistência, cultura alimentar, meios de irrigação, de sua ocupação sazonal e de uma infinidade de outras informações que se inscreveram permanentemente em artefatos históricos que nos chegaram como testemunhas de um tempo que não mais existe.
Sobretudo, as cidades egípcias da antiguidade eram centros de referência para onde afluíam uma gama complexa de conhecimentos não categorizados como hoje os são delimitados em ciências de conhecimentos. Compreender, então, os habitantes locais por meio de seus hábitos e de suas crenças se tornaria o entendimento dos espaços em que eles viviam e onde eles acreditavam viver com seus deuses, esses últimos que permaneceriam, apesar de invisíveis, nos espaços físicos pela recorrência de eventos cíclicos numa região, ou ainda, na forma própria que a população local creditava nele suma expressão própria de fatos interpretados a ocorrerem, como naqueles que são encontrados nos hábitos de limpeza pessoal e de limpeza do abrigo físico, do templo, ou mesmo nos hábitos de manter organizado e de determinada maneira os utensílios e ferramentas, como ofício, ou ainda na organização do culto diário aos deuses que ligava o espaço interno e externo a quem, assim, demonstrasse uma plena capacidade de comunicação para com além desconhecido.
A obra do faraó
Mas o porquê de tudo isso? Mesmo no século XXI o maior número de desafios que se possa estar sujeito se limita, em grande parte das vezes, a como lidamos com as mentalidades, sejam as próprias ou as de terceiros, mas ambas relacionadas às realidades de quem as vive. A forma com que nos damos a conhecer qualquer meio de vida, e que aqui chamamos de “mente”, compreende a entidade que se interpreta pela leitura que fazemos do mundo e a que tenhamos acesso em nosso tempo, pois, para cada indivíduo que interpreta, uma mentalidade trata das compreensões que parecem verossímeis ou não ao intérprete da leitura. Nessa análise, a voz que traz as relações de sentidos acabam, também, por estruturar uma lógica própria à interpretação dos fatos e de como esses são representados nos eventos dos mundos, quando, sobretudo, se compreende quais dimensões passa a se fazer parte por estar em um plano subjetivo quanto a forma de se pensar, ou seja, uma mentalidade presente e ali inscrita tal qual narrativa individual e de igual maneira coletiva de se contar histórias.
A escrita nas areias de um deserto