
“A mulher”, disse o filósofo Anaxímandro, “é o princípio ilimitado e infinito da essência da vida”. O homem é o princípio finito, limitado e evanescente.
Dolores Ashcroft-Nowicki em “A Árvore do Êxtase: Rituais de Magia Sexual”
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Progenitora de mundos
Tenho me dedicado a descrever um livro que se desdobra em leituras possíveis de tal forma que a visão a respeito do que podemos interpretar do mundo se altera, mas exatamente de que modo?
No título do capítulo 2 de “A Árvore do Êxtase: Rituais de Magia Sexual”, de Dolores Ashcroft-Nowicki, podemos encontrar, de forma sucinta, a ideia da autora quanto à tomada de consciência, como espécie humana, da superação necessária a todo entendimento: “O Amor é a Base”, ipsis litteris!
Sim, parece que ao retornarmos, com a imaginação, à pré-história, encontraremos um hominídio da espécie que será base à família Homo sapiens, e também com ele, encontraremos um reflexo de sua evolução tendo por centro uma revolução cognitiva em seu cérebro, causada, sobretudo, pelo encontro visual com a fêmea da espécie por quem, por qualquer razão, o macho passa a sentir um vínculo afetivo, um encontro emocional, e uma ligação subjetiva.
Como vimos anteriormente em “A árvore da vida“, a passagem do símio ao primata humano, até chegar ao homem primitivo na pré-história, foram 200 mil anos de uma existência sob um grande catalizador de transformações que vieram acarretadas a um único evento de toda essa existência acima narrada, e essa se deve ao papel cognitivo do cérebro humano, que lhe deu a capacidade de abstrair relações de causalidade e efeitos, tempo e espaço, temperatura e razão de necessidades de conhecimentos.
Em outro artigo, “Arte Fundamental“, eu relato um pouco da Tradição Anciã com a qual a autora se alinha de forma muito bem fundamentada, trazendo os aspectos mais ancestrais da cultura wicca moderna e do círculo esotérico pagão em geral. É muito interessante compreender que esse ser humano primitivo, uma vez consciente de sua individualidade no mundo para além das reações instintivas, é um ser humano dividido em macho e fêmea da espécie entre os quais, por um lapso de consciência de afetividade, se transforma o mundo.
Como vimos em “Dia dos mortos em antigas tradições“, publicado recentemente aqui, a Morte e a Vida estão representadas por uma mulher que, por sua vez, é a representação da ideia da concepção, misto de geradora e devoradora de sua própria criação a exemplo da Deusa Asteca relacionada à Terra, Coatlicue.
Imagino que tenha sido essa mulher primeva, de natureza interna a conversar com os elementos de seu ambiente com intimidade, a fonte de uma gama de representações de deidades femininas como a deusa grega Hecate, da tríade que se relaciona ao ciclo da vida, ou da existência de qualquer coisa mortal sobre a Terra.
É na reverência a esse Amor imortal enquanto espécie que Dolores repassa os mistérios dessa Deusa-Mãe, que recebe, em cerimônia, o seu complemento masculino, seu consorte, considerando-se o seu poder de entrega, relacionado ao criativo que, portanto, domina o espírito humano para sua transformação por meio de si.

Imaginação e o poder de visualização da mente pode ter surgido dessa primeira abstração psico-afetiva encaminhada pela fêmea da espécie para um macho que em determinado momento compreendeu algo maior dado a natureza dos eventos de sua existência biológica na Terra, e que provavelmente tenha se relacionado à sua descendência.
É muito rico o material relacionado à pesquisa desse tema, tanto no meio gnóstico quanto o é entre os que seguem as antigas tradições. Em “Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva” do Coletivo Sycorax, de Silvia Federici, a experiência da mulher no período medieval vem marcado por “caças às bruxas”, e são mulheres submetidas à inquisição de hierarquias masculinas representadas pela Igreja e pelo Estado.
Clique abaixo em link-pdf disponível:
Em outro título, “A DANÇA CÓSMICA DAS FEITICEIRAS: Guia de Rituais à Grande Deusa”, de StarHawk*, são mulheres que transitam pela realidade da criação da espécie portando cumulativamente a tradição de dar à luz e a de levar à escuridão pelo próprio movimento da existência, compreendido como cíclico, infinito e indivisível.
Aliás, essa é uma percepção que vem provavelmente a ser anterior aos pré-socráticos da escola Jônica da Antiguidade Clássica, em Mileto do século IV e V a.C., quando o tema relativo à origem da vida está relacionado aos elementos naturais a partir dos quais se cria toda existência cosmogônica que conhecemos como seres humanos. Dessa forma, para Tales de Mileto, considerado por alguns estudiosos como o primeiro filósofo e um dos sete sábios da Grécia Antiga, compreendia a água como elemento primordial à existência da vida, enquanto para o filósofo Anaximandro, da mesma escola Jônica, o universo teria resultado de modificações ocorridas num princípio originário chamado por ele de ápeiron, que tem o sentido de infinito, indeterminado ou ilimitado.
*Edição acessível pelo link: https://docplayer.com.br/9894989-A-danca-cosmica-das-feiticeiras-guia-de-rituais-a-grande-deusa.html

A mulher é tema prevalecente em se tratando de imaginário humano relacionado à sua cosmogonia. Tem-se sua participação efetiva na organização dos credos da origem da vida, reflete necessariamente parte do tempo da espécie, carregando consigo a relação da continuidade da existência humana, que está para além do homem e da mulher que possam representá-la, atualizando seus sentidos.
Em “Mulheres sob todas as luzes”, de Patrícia Rocha pela Editora Leitura, edição de 2009, de Belo Horizonte, há um retrospecto dessa mulher que atua em diferentes palcos históricos com suas formas de expressar sua cultura e seu tempo. O lugar dela está com ela própria como uma passagem à imagem da deusa que pode corresponder ao sentido que a mulher representa à comunidade em torno dela, prevalecendo uma cultura de veneração a uma deusa-mãe, cuja fertilidade dependia toda forma de cultivo desenvolvido à alimentação. Observa a autora que “O sexo feminino era reverenciado por sua capacidade de reprodução e total desconhecimento do papel do homem na concepção”, sendo um fato possivelmente determinante para um matriarcado que nasce nas sociedades paleolíticas e que se extingue ao fim do neolítico como modelo recorrente de organização dessas mesmas sociedades em transformação.
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POR EGÍDIO MARIANO
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Na Mitologia Chinesa, por exemplo, a divindade Nu Kua, Nu Gua ou Nüwa, é a deusa que criou a humanidade, sendo metade humana e metade serpente, também associada à chuva, a poças de água, lagoas, a lagos e a outros lugares onde as águas param e são povoadas por criaturas anfíbias e peixes. É ela que interfere num momento mítico, a de um grande dilúvio, (evento esse que se repete em culturas da suméria, grega, maia e nas semíticas), auxiliando ela o soberano Da Yu a criar canais que, de acordo com a lenda chinesa, controlaram a inundação e permitiram à população o cultivo da terra. O lendário soberano Da Yu, o Grande (大禹dà-Yǔ), foi o primeiro governante e fundador da Dinastia Xia, nascendo no ano de 2.059 a.C., chamado de Ano do Tigre. Da Yu é ocasionalmente identificado como um dos Três Augustos e os Cinco Imperadores, sendo lembrado por ter ensinado ao povo técnicas de controle das cheias do Rio Amarelo para domar os rios e lagos da China.
Destaca-se quanto à deusa o seu papel em que se entroniza o soberano, uma relação mulher-deusa que coloca a coroa sobre a cabeça tal qual relata Dolores como metáfora constante da entronização do poder relacionado ao signo sexual masculino*.
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Para conseguir sexo, espécie humana… (Notícia/Artigo)
“De acordo com os primeiros pensadores e filósofos, a chave para os mistérios do Universo estava oculta nos mistérios do sexo. De um lado, havia o poder criativo, ativo, masculino e, de outro, o poder gentil, passivo, receptivo, feminino. A partir desses dois poderes, tudo mais foi criado. A maioria das chamadas religIões politeístas também seguia esse caminho, com o Deus macho cumprindo o papel de gerador, e a Deusa, o papel receptivo. Em certos momentos algumas cruzaram essa fronteira e produziram Deusas de fogo, como Vesta, Pele, Sekmet e Kali, e que, para complementá-las, surgiram Deuses menos agressivos, como Thot, o Escriba; Mercúrio, o Mensageiro; e o Esculápio, o Curador”
Dolores Ashcrift-Nowicki em “A Árvore do Êxtase: Rituais da Magia Sexual”; p. 79.
Editora Bertrand Brasil, edição de 1994
ISBN 85-286-0204-4