Não se sabe determinar ao certo a tradição mexicana de cultuar os mortos com irreverentes caveiras coloridas, embora se admita que seja um culto muito antigo. Também são raras as culturas que unem o sagrado e o profano de maneira tão íntima, ligando à realidade da morte à realidade da vida, tal qual um canal em que se comunicam mortos e vivos com o divino que há em todo existente.
Muitas culturas representam essa passagem de fatos como maneiras de se entender a própria existência das pessoas que por eles passaram. A morte, tendo seu dia, tem sua passagem aberta como uma percepção de uma realidade de mundo que, muitas vezes, ignoramos. Os mortos são, então, lembrados. Entre os vivos que se pintam para se passarem pelos mortos e com os mortos (seus restos mortais) ganhando à vida pelo colorido da pintura representada, “La muorte” é feminina como quem gesta a vida, estando vida e morte ligadas por um cordão umbilical que jamais é rompido.
Na civilização Asteca-Mexicana, em que ocorre o sincretismo de crenças de divindades da Antiguidade à Modernidade, “Coatlicue” é a mãe-morte na cosmogonia Asteca e uma das principais divindades cultuada pelos povos antigos no México, sendo considerada “Deusa Terra”, cujo nome significa “Aquela que se veste com uma saia de serpentes”.
Pelo panteão Asteca, Coatlicue é quase sempre associada à morte, como Deusa da Terra que se mostra insaciável em consumir tudo o que vive. Sua representação mais famosa é de uma deusa com garras, usando saia de serpentes entrelaçadas, um colar feito de crânios, de mãos e de corações humanos.
Coatlicue, apesar da distância do local cultural Asteca (embora talvez no mesmo período histórico) muito se assemelha à Hecate do panteão grego, cujo culto pode ter origem há milhares de anos em outra representação cultuada na pré-história, como deusa Torchbearing, celebrada pela queima de fogos sagrados, ou ainda como há 6000 anos, durante o Neolítico, de quando data a voluptuosa estatueta de uma mulher entronizada entre duas leoas como uma possível representação de Mãe-Deusa chamada Kybele, (Katalhoyuk deusa, Katalhoyuk], de culto provável durante a idade do Bronze, cerca de 3000 a.C, pelo Crescente Fértil.
Tanto no surgimento do Mistérios Eleusinos quanto nos Mistérios dos Cultos no mundo antigo, ambos trazem uma mesma natureza de organização social em razão das doutrinas com as quais os mitos transformavam as relações de poder como arquétipos do corpus organizado de ritos e de sacri-ofícios dos seus Templos. De uma maneira simbólica, sacerdotes e sacerdotisas se estabeleciam como escribas de ofício das cidades-estados, fazendo os serviços que se amparavam numa mesma autoridade de natureza divina. Na verdade, o domínio da comunicação escrita só teria sido possível em razão da ideia de iniciação que surge com as primeiras grandes Civilizações para várias ocupações no estado, entre essas, a de escribas, sendo uma prática que se refere à Tradição das crenças organizadas em Templos.
As três deusas dos Mistérios Eleusinos foram também adoradas em um templo grego de Selinus na ilha da Sicília, onde foi fundada uma colônia grega em meados do século VII a.C.. Tem-se sugerido que semelhantes mistérios aos de Elêusis foram ali celebrados
em uma escala menor, sendo ali, no quinto século a.C. que o filósofo pré-socrático Empédocles criou a doutrina dos quatro elementos: ar, terra, fogo e água, que, em relação ao monismo e ao imobilismo da Tradição Eleática, tratava-se de um movimento pelo pluralismo da doutrina que influenciou profundamente Platão, Aristóteles, e os estóicos, além das ciências como a da medicina, perdendo prestígio teórico apenas na segunda metade do século XVIII a partir dos estudos de Lavoisier (1743/1794).
Assim como Pitágoras, Empédocles compreendia a transmigração das almas como processo de reencarnações condicionadas pelas ofensas cometidas quando vivo [ver também Maat e a ressurreição egípcia]. Empédocles apresentava-se como curandeiro, capaz de ressuscitar os mortos, como mago capaz de influenciar os ventos e a chuva e até mesmo como uma divindade. Desenvolvendo sua doutrina, foi fundamental à Tradição da Pluralidade com que se baseiam as Cartas Magnas das nações modernas. Sua lendária morte, saltando para o vulcão Etna e deixando um único par de sandália (um de seus símbolos) flutuar sobre a lava, sugere que ele era um devoto de Hecate, uma das faces da deusa tríplice.
A natureza da morte no panteão de divindades, sejam astecas ou as gregas, sejam, ou não, tripartidas suas manifestações ou limitada a uma única, como no caso da deusa Coatlicue, quaisquer que sejam elas, a representação da passagem de uma forma para uma outra relacionada à morte fica evidente em um arquétipo com manifestação feminina ligando a vida e a morte.
A cosmogonia dessa passagem é encarada de diferentes modos pelos povos em suas culturas, e talvez tenha sido uma das primeiras manifestações de culto relacionado à percepção de um estado além e pós-morte. Os mexicanos, hoje, visitam túmulos levando alimentos e lembranças aos que jazem sob as lápides apenas nas memórias, pois até os restos mortais muitas vezes já não estão presentes no túmulo.
Portanto, o que visitamos se não à própria condição da Terra, Deusa-Mãe maior em que nos encontramos vivos, frente a frente, ante a disposição dos ciclos?
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