Tratamos, na postagem anterior, da Arte no Paleolítico como sendo alguns dos sinais de uma abstração intelectual quanto à realidade feita imaginária de sua própria existência no mundo. Nesse conteúdo de material humano, portanto, molda-se uma percepção de poder estar num mundo de muitas possibilidades, consideradas de número infinito de alternativas quanto aos eventos com ocorrências em mundos naturais e em forças sobrenaturais que, de súbito, somam-se a esse ser humano que passa a perceber a sucessão de ideias numa sucessão de eventos narrados por sua própria imaginação desenvolvida por suas vontades, a determinar direções a seus interesses de sobrevivência.
Estamos abordando um período de milhões de anos na evolução humana sobre a Terra. E em todo esse tempo, houve apenas um momento em que se pode dizer de total transformação no modo de agir e de construir à realidade das relações do homem primitivo, e que foi a Revolução Cognitiva, algo a respeito do que é importante pesquisar.
O processo de cognição na formação das capacidades do cérebro humano se tornou uma passagem a uma realidade totalmente distinta daquela compreendida pelo hominídio primata. Foi a cognição, ou seja, a capacidade de fazer relações de eventos e de condutas ente os primatas de sua própria espécie que tornou, possivelmente, o Homo sapiens a ser a família dominante do gênero.
É a partir disso que se pode considerar que o hominídio primata dá origem ao homem moderno, no momento em que compreendeu bem mais eventos de natureza social, como a caça coletiva, a defesa do grupo, e a evidência dos laços afetivos na inter-relação dos indivíduos de maneira contínua, de buscas recíprocas de aceitação e de abrigo mútuo.
De um plano intersubjetivo a humanidade começa a ser moldada. Mas na prática de transformar o seu habitat, por meio da cultura dessas relações intersubjetivas, não.
Levam milhares de anos para que os primeiros sinais de fabricação cerâmica ocorram na história da humanidade. Uma das peças cerâmicas mais antigas que se tem conhecimento, ocorre no período da idade da pedra polida por volta de 25000 a.C., sendo encontrada na Tchecoslováquia. Outras peças em cerâmica foram encontradas no Japão, na área ocupada pela cultura Jomon, há cerca de oito mil anos.
De maneira geral, esses artefatos pré-históricos são de objetos simples, dada a capacidade de se obter da terra, da qualidade de ser argilosa e, assim, de se ter um objeto moldável quando acrescentada a proporção correta de água, endurecendo-o ao sol ou após à queima em fogueira e brasas.
Utensílios como jarros, potes e outros recipientes de barro forneceram meios de se armazenar grãos ou líquidos, sendo um hábito que, com o tempo, evolui, aperfeiçoando-se as características das peças com cada vez maior ornamentação, com bocais e alças, destacando-se imagens em relevo, ou com pinturas vivas que, possivelmente, passaram a ser considerados objetos de decoração, trazendo imagens de figuras humanas ou humanoides, tal qual um registro gráfico dos artesãos sobre suas crenças em razão de seus povos.
A fabricação ordenada de peças cerâmicas, principalmente das que vão servir de decoração nas paredes de templos, vem a ocorrer no Egito de cerca de 5000 anos atrás. Na China, no mesmo período, se destaca a cerâmica feita ao túmulo do imperador Qin Shihuang, com seus milhares de soldados de terracota.
É na região do Egito que convergem, por milhares de anos, povos de distintas culturas. Da cultura Acheuliana no Egito, que remonta a 700 000 anos atrás, à cultura Farafra, datada de 8000 anos a. C., toda região cresceu em razão de inúmeros povos que habitaram muitas vezes concomitantemente posições geográficas próximas, e mesmo por laços tribais distintos.
Mas é talvez em razão do tipo de formação rochosa no chamado “Deserto Branco”, presente no oásis de Farafra, que se possibilitou o encontro de diversos sítios datados de 7000-6500 a.C., porque fica evidente, naquele vale chamado de “Hidden”, um complexo sistema de assentamento “composto por uma ‘aldeia’ e uma área de fornecimento complementar para as matérias-primas utilizadas na manufatura dos artefatos em pedra. Aparentemente os habitantes das localidades de Nabta Playa viviam de pastoreio nômade e possuíam afinidades, em certo ponto, com o Vale do Nilo. A aldeia se localizava na costa de um antigo depósito, sendo composta por habitações líticas circulares, algumas com várias lareiras; na caverna, classificada como cárstica, possui representações de cabras, gazelas e girafas, um barco e mãos humanas. Entre os restos orgânicos foram encontrados restos arbóreos (Acácia, Tamarix), cereais (Echinochloa colona, Panicum, Cenchrus, Brachiaria, Setalia e sorgo) e faunísticos (ovinos, caprinos, gazelas-dorcas e avestruzes). A indústria lítica era composta por foices, serras, pontas de flecha, denticulados, micrólitos, plainas, raspadores, facas e mós; ovos de avestruz, uma estatueta de argila e fragmentos de cerâmica também foram identificados.
Portanto, se ao norte da bacia de Nabta, no Vale do Nilo, passam a surgir, no final do Neolítico Superior, as maiores mudanças para a construção do que será a criação do estado egípcio por meio de dinastias milenares de poder teocrático. Estará no fértil Vale do Nilo as sementes de um dos cereais que serão domesticados pelo ser humano, fomentando condições de abundancia ao mesmo tempo que o ligava terminantemente a um espaço geográfico de produção de alimento, agregando a esse mesmo espaço, uma fauna própria, da qual passavam a participar também os animais domesticados como o gado.
Pastores primitivos foram a base dessa também economia primitiva de criação de animais a campo aberto, pastoreio nômade e sazonal pelo que fora um dia uma região fértil da África.
Mas é com o assentamento de aldeias às margens do Rio Nilo, usufruindo do conhecimento sobre as cheias sazonais que inundavam a região com rica matéria orgânica, que se constitui o excedente alimentar a dar condições da sedentarização do ser humano no Vale do Nilo. Entre os pastores nômades e os agricultores passa a existir uma co-existência de tecnologias distintas quanto aos seus meios de manutenção de vida. Não é de se surpreender que com o tempo não tenham disputado regiões comuns, existindo em decorrência uma disputa armamentista relacionada aos combates que tinham cada vez maior grau de complexidade militar.
Também não parece ser à toa que apontem a origem da cerâmica ocorrer nessa mesma região.
A cultura neolítica perde espaço enquanto a cada vez melhor organizada vida sedentária se instala na abundância do Nilo, tornando-se evidentes os sinais da agricultura ocupar o tempo integral dos seus habitantes, porque uma vez que as pessoas passavam a usar grandes mós, silos de armazenamento de grandes grãos, foices, e todo o resto do conjunto de ferramentas dos agricultores primitivos, houve um forte incentivo para não se deslocarem.
Não se deslocando, o manuseio do espaço em torno a esse habitante, agora sedentário, se trata de uma questão de tempo. Talvez em uma região tão próxima à ideia de paraíso, um “Adão” e uma “Lilith” não tenham sido feitos daquele barro, agora moldado à percepção de ser criatura no mundo, e criação de si, produzindo eles artefatos culturais tão sofisticados quanto à natureza das relações que o compunham.
Leitura complementar
Dissertação “O Ciclo de Elêuses: imagem e transformação social em Atenas no século IV a. C. ” de Carolina Machado Guedes, principalmente o subtítulo “1.1 os vasos cerâmicos”, de uma ótima descrição antropológica cultural a respeito desse tema. Link direto para download (copie e cole):
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/71/71131/tde-14042009-142311/publico/tde_Carolina_Machado_Guedes.pdf
- MAIS AQUI! “Pré-história no Egito”